Na virtude está o meio
Que continuava a ser uma mulher bonita ninguém poderia negar mas, depois de dez anos a acordar todos os dias a seu lado, confesso que o meu juizo estético lhe tinha ficado algo indiferente. Com uma única excepção. Sempre que me calhava ver o que tinha no meio das pernas, era o cabo dos trabalhos. Prezo muito a minha contenção e até uma certa aparência de frieza que cultivo desde a juventude e não me agradava que um mero vislumbre de uma parte do corpo que, afinal, não deixa de ser bastante corriqueira, me transformasse numa criatura salivante e impulsiva. E duvido que o bizarro fetiche fosse justificado porque, mesmo merecendo reconhecimento unânime que é um item anatómico bastante útil e mesmo indispensável, poucos haverá que lhe reconheçam beleza ou, muito menos, que se deixem abalar pela sua visão como me acontecia a mim. E ela, de forma que começava a parecer-me intencional, ia engendrando cada vez mais ocasiões para se expor com um à-vontade que roçava o descaramento. Um dia, não aguentei mais e tive de lhe dizer. Enchi-me de coragem, voltei-me para ela e expus o que me ia na alma.
- Achas que podes começar a usar calças? Os teus joelhos deixam-me incomodado.